Pular para o conteúdo principal

O poder de sedução do café


Por José Newton Coelho Meneses*

Diz a lenda que a origem do café e do gosto por ele remonta ao século III. Monges mandaram queimar as frutinhas levadas a eles por um pastor que provara delas e ficara estimulado. Na queima, encantaram-se com o odor agradável exalado. Provaram a infusão das frutas em água e conseguiram rezar com mais atenção, sem cochilar. De um mosteiro a outro, a notícia da boa propriedade da bebida espalhou-se pelo mundo.

Com a popularidade do gosto pela bebida, construiu-se no século XV, uma associação entre locais de oração com o consumo do café. Foi em Meca que surgiu o primeiro lugar de café com reza. Daí, o costume se espalhou para o Cairo, Constantinopla e todo o Oriente Médio, mas os muçulmanos proibiram a prática por considerá-la uma ameaça à observância religiosa. O café saiu dos templos e ganhou as ruas.

Tempos depois, o comércio europeu já incluía o café no rol dos produtos de exportação de suas incipientes nações. Por outro lado, em sua expansão pelo mundo buscaram introduzir a lavoura de café em suas colônias. Os holandeses foram os primeiros a plantar comercialmente o produto no Sri Lanka (1658), em Java (1699) e em outras partes da Indonésia. Foram eles, também, que, em 1714, levaram o café para Versalhes como presente para o rei Luis XIV. Daí, as sementes foram plantadas na Ilha de Bourbon, e a variedade chamada Bourbon veio para o México e o Brasil.

O mito popular informa que um jovem oficial do governador geral do Pará seduziu a esposa do governador da Guiana Francesa, M. d’Orvilliers, para conseguir dela as sementes negadas oficialmente pelo magistrado. O café chega ao Brasil, assim, como um grão sedutor.

Do Pará passa ao Maranhão, e das terras de São Luis ao vale do Paraíba e Baixada Fluminense, na então Capitania do Rio de Janeiro (cerca de 1760). O incremento ao plantio, no entanto, se dá no tempo da Independência, quando as produções de açúcar e de algodão perdem espaço no comércio internacional, com a concorrência antilhana.

Logo, as plantações alcançam o sul de Minas, a região de Campinas, o “Oeste Velho” paulista, o Espírito Santo. O fim das guerras napoleônicas na Europa, a crise de produção de Java e o levante de independência do Haiti favoreceram a abertura do mercado internacional para o café brasileiro. Em 1840, já era o principal produto de exportação do Brasil, e o país tornara-se o maior produtor mundial de café.

No século XX, aconteceram muitas idas e voltas no comércio do café e no desenvolvimento do Brasil. O produto já não tem a importância que tinha em nossa pauta de exportações, mas continua seduzindo, pelo gosto, consumidores daqui e do mundo inteiro. Para rezar, para pensar, para papear, para satisfazer prazeres e saborear a vida... um cafezinho sedutor é sempre bom companheiro.

*José Newton Coelho Meneses é professor do departamento de História da UFMG e autor de artigos, capítulos e livros publicados no Brasil e no exterior. Escreveu O Continente Rústico, Abastecimento alimentar nas Minas setecentistas e História & Turismo Cultural.
Participou da edição deste ano da Revista Sabores. Além de ser admirável por seu currículo, se tornou uma pessoas querida e referência para mim. Já esteve no blog com o texto Chocolate dos Deuses, tão gostoso quanto um cafezinho.

Comentários

Postagens mais visitadas deste blog

Assa peixe em Sabará

No final de novembro do ano passado estive em Sabará, bem pertinho da capital mineira, para participar do 27º Festival da Jabuticaba. Na época estava em uma correria e acabei não falando uma linha sobre o assunto aqui no blog. E agora vasculhando alguns arquivos achei um material bacana, receitas e dicas que vale contar para vocês. Além de servir de inspiração para participar do próximo festival, a cidade merece ser visitada sempre, pois os produtores artesanais, restaurantes e cozinheiros estão preparados para receber o ano todo. Para começar, preciso contar a minha maior surpresa por lá, o assa peixe frito. É feito pelo cozinheiro Manoel Ferreira, que trabalha no restaurante do Parque Quinta dos Cristais . Ele conta que aprendeu a cozinhar com a mãe, que o ensinou não só o ofício, mas também o prazer em degustar e identificar os sabores presentes em cada garfada. Para quem não conhece (assim como eu não conhecia), o assa peixe é uma urtiga, muito usada como planta medici

Lenda do bacuri

Outra lenda interessante é sobre a origem do bacuri. Dizem que, certo dia, na floresta, apareceu a cabeça de um índio caxinauá, que havia sido degolado por um de seus companheiros. A cabeça aterrorizava a tribo com exigências que deveriam ser cumpridas para evitar que não lhes fosse tirada a vida. Todos deviam buscar, na floresta, um fruto amarelo escuro e manchado, com casca dura e uma polpa deliciosa, vindo de uma árvore cheia de flores avermelhadas. Os índios obedeceram às ordens por muito tempo até que um dia alguém resolveu experimentar o fruto, sendo seguido por todos os outros índios. A cabeça ficou muito brava e se transformou na Lua. Depois disso, sempre que comiam a fruta, davam as costas para Lua.

Olhos de guaraná

Muitas frutas típicas do Brasil foram descobertas pelas mãos dos índios, o que explica as lendas contadas sobre a origem de algumas. O guaraná , por exemplo, é campeão de histórias que explicam sua existência. Em uma dessas, conta-se que havia um casal de índios na selva, que sonhavam em ter um filho. Até que Tupã , o deus dos deuses, concedeu a eles um filho perfeito. O menino era esperto e inteligente, sabido de todas as coisas. Contudo, para protegê-lo, os pais não lhe contaram sobre o segredo de Jurupari , um espírito do mal, que podia se transformar em qualquer coisa. Atiçado pela bondade do menino, Jurupari resolveu tirar-lhe a vida. O espírito do mal se transformou em serpente e, como todas as criaturas da mata eram afeiçoadas ao menino, ele não se intimidou diante do animal, que acabou por picá-lo. Ao encontrarem o menino viram que ele estava morto, com os olhos virados para trás. A floresta se abateu com tanta tristeza e, no meio do desespero, ouviu-se um trovão d