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Dona Conceição



O texto de hoje não é uma indicação do novo restaurante da cidade. Muito menos uma receita imperdível para o jantar de logo mais. É sobre a responsável por minha paixão pela cozinha, Dona Conceição. Hoje ela completa 86 bem vividos anos e tenho a honra de tê-la como exemplo há 32.
Vovó representa para mim duas importantes bandeiras: cozinhar com amor e a força da mulher. Pode parecer até um pouco contraditório colocar esses assuntos juntos, mas não é. Apesar dela ter cozinhado muito por imposição, o que ela me ensinou foi o ato de cozinhar por prazer. Me ensinou que eu poderia fazer isso por gostar e não por ser obrigada. Acho que ela conseguiu, com enorme sabedoria, extrair dos tachos de comida para mais de cinquenta pessoas o que há de mais belo na culinária: doar-se através da comida.
Ela pilava o próprio arroz e não sentiu só a dor nos braços com o esforço, mas a gratidão por ter o alimento em casa. Fazia seus queijos, moldava em antigas formas de madeira, deixava o tempo curar para sentir a diferença do sabor apurado. Inventava de puxar bala na pia para dar conta de adoçar a boca de treze filhos. Fazia crescer pães e crianças com diferentes fermentos naturais.
Fritava biscoito de polvilho, torresmo e ovo caipira de gema mole ou dura. Batia broa, angu e mingau de milho verde. Matava galinha, porco e até boi para depois cuidar de cada corte e preparo das carnes. Ela fazia e faz muita coisa. De tudo isso, ela não me ensinou as dores ou dificuldades que sentiu. Minha lição foi o sabor, respeito pelos alimentos e o amor em cada preparo.
E hoje cedinho já liguei para dar os parabéns. Ela agradeceu, mandou um beijo para meu marido (no rosto, enfatizou!), disse que eu ia fazer falta para preparar o bolo do aniversário, mas que me esperava na próxima semana para irmos à feira juntas. Feira é uma coisa nossa, ainda mais a do sábado de aleluia, que, segundo ela, é a melhor do ano. Obrigada, vovó!

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