Pular para o conteúdo principal

A cozinha da vovó - parte 04 (Cheiro de lar)

Cheiro de lar
Tenho o olfato muito aguçado, daqueles capazes de identificar exatamente o que o vizinho está preparando. Consigo sentir na boca o gosto do cheiro, que por sua vez me carrega no tempo para uma memória gostosa. Tenho alguns aromas preferidos, como bolo que leve na massa açúcar mascavo e maçã. Adoro o cheirinho de leite fervendo. Salivo só de sentir de longe qualquer receita que tenha manjericão. Mas, sou encantada com cheiro de carne no forno. É algo que me transporta no tempo e me leva diretamente para casa de mamãe e vovó.
Era uma época em que a gente, ainda criança, acordava com esse aroma pela casa toda. O café da manhã tinha cheiro do pernil que já estava no forno desde cedo. Uma verdadeira tortura que se estendia até a tardia hora do almoço em família. Com o tempo, esse momento de prazer olfativo passou a incorporar as outras etapas do preparo. No dia anterior, preparávamos o tempero que era besuntado em toda a carne com amor na ponta dos dedos. De tempos em tempos, era obrigatório virar a peça para o tempero tomar conta de todas as partes. Logo cedo, o pedaço de porco ia para o forno assar sem pressa, com o tempo perfeito e necessário para tornar nossa vigília na cozinha ainda mais inquieta. 
Enquanto o cheiro ia entranhando em cada parte da casa, judiando dos vizinhos, o dourado ia tomando conta da carne. Era chegado o momento de colocar a mesa, tarefa feita sem reclamação pela criançada, já que o prêmio suíno vinha logo. Pratos, talheres, copos, guardanapos e suportes de panelas apareciam rapidamente. Aos poucos, iam chegando arroz, tutu, farofa, macarronada, salada, molho de pimenta e as bocas ansiosas. Bem no centro da mesa, o espaço reservado para a estrela do almoço era guardado por todos. Após essa longa espera, vovó surgia da cozinha com aquele enorme tabuleiro repleto de alegria, a nossa alegria. Esse exato momento era a contemplação de toda a peleja vivida nas últimas horas. 
Hoje em dia, quando sinto um cheiro assim, consigo em segundos reviver todo esse rito em minha memória e me sinto degustando lembranças. Quando me atrevo a fazer algo parecido em minha casa, me sinto um pouco mais perto da cozinha delas - vovó e mamãe. E aí a saudade aperta de um jeito gostoso, com direito a cheiro de lar. 

Comentários

Postagens mais visitadas deste blog

Assa peixe em Sabará

No final de novembro do ano passado estive em Sabará, bem pertinho da capital mineira, para participar do 27º Festival da Jabuticaba. Na época estava em uma correria e acabei não falando uma linha sobre o assunto aqui no blog. E agora vasculhando alguns arquivos achei um material bacana, receitas e dicas que vale contar para vocês. Além de servir de inspiração para participar do próximo festival, a cidade merece ser visitada sempre, pois os produtores artesanais, restaurantes e cozinheiros estão preparados para receber o ano todo. Para começar, preciso contar a minha maior surpresa por lá, o assa peixe frito. É feito pelo cozinheiro Manoel Ferreira, que trabalha no restaurante do Parque Quinta dos Cristais . Ele conta que aprendeu a cozinhar com a mãe, que o ensinou não só o ofício, mas também o prazer em degustar e identificar os sabores presentes em cada garfada. Para quem não conhece (assim como eu não conhecia), o assa peixe é uma urtiga, muito usada como planta medici

Lenda do bacuri

Outra lenda interessante é sobre a origem do bacuri. Dizem que, certo dia, na floresta, apareceu a cabeça de um índio caxinauá, que havia sido degolado por um de seus companheiros. A cabeça aterrorizava a tribo com exigências que deveriam ser cumpridas para evitar que não lhes fosse tirada a vida. Todos deviam buscar, na floresta, um fruto amarelo escuro e manchado, com casca dura e uma polpa deliciosa, vindo de uma árvore cheia de flores avermelhadas. Os índios obedeceram às ordens por muito tempo até que um dia alguém resolveu experimentar o fruto, sendo seguido por todos os outros índios. A cabeça ficou muito brava e se transformou na Lua. Depois disso, sempre que comiam a fruta, davam as costas para Lua.

Olhos de guaraná

Muitas frutas típicas do Brasil foram descobertas pelas mãos dos índios, o que explica as lendas contadas sobre a origem de algumas. O guaraná , por exemplo, é campeão de histórias que explicam sua existência. Em uma dessas, conta-se que havia um casal de índios na selva, que sonhavam em ter um filho. Até que Tupã , o deus dos deuses, concedeu a eles um filho perfeito. O menino era esperto e inteligente, sabido de todas as coisas. Contudo, para protegê-lo, os pais não lhe contaram sobre o segredo de Jurupari , um espírito do mal, que podia se transformar em qualquer coisa. Atiçado pela bondade do menino, Jurupari resolveu tirar-lhe a vida. O espírito do mal se transformou em serpente e, como todas as criaturas da mata eram afeiçoadas ao menino, ele não se intimidou diante do animal, que acabou por picá-lo. Ao encontrarem o menino viram que ele estava morto, com os olhos virados para trás. A floresta se abateu com tanta tristeza e, no meio do desespero, ouviu-se um trovão d