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A cozinha da vovó - parte 05 (Dia de feira)


Dia de Feira
Tenho uma relação de identidade muito forte com feiras, barracas, mercados e outros desse estilo. Tenho também a certeza que aprendi isso com vovó, já que desde pequena ela me ensinou que escolher ingredientes não é apenas uma tarefa necessária, mas um programa muito prazeroso. Os produtos frescos, exalando aromas e cores, são a melhor inspiração para cozinhar. Perdi as contas de quantas vezes me encantei presenciando os olhos dela brilharem por uma banca de quiabo ou manga. Hoje, vejo em mim esse espelho, sempre deslumbrada com esse mundo.
Depois de ter conhecido diferentes feiras e mercados, entendo claramente o motivo dessa paixão. Afinal, lugares assim representam fielmente a cultura do lugar, de um povo. É ali que as pessoas mostram não só seus produtos, mas também quem são. Além disso, também conseguimos identificar as comidas típicas, as frutas nativas e até receitinhas que fazem parte da história daquela região. É um ambiente que me faz muito bem, me enche de vida e que também me ensinou três coisinhas que vovó sempre fez com louvor.
Primeiro e já comentado é sobre saber escolher os ingredientes. Vovó me ensinou a observar, cheirar e perceber o que é um produto bom ou ruim. Pode parecer uma coisa simples e até automática com o tempo, mas é fundamental perceber a qualidade do que está comprando. Consigo ouvi-la falando do meu lado, mesmo de longe, que “tomate quando está molengo não dá bom molho. Tem que ser maduro e firme”. 
Outra característica que sempre tive dificuldade foi a de pechinchar. Ela não, sempre pagou o justo. Com o tempo minha vergonha de barganhar deu lugar à lógica de que tudo é uma questão de saber o valor do que está comprando. Quando você é frequentadora de feiras e mercados, passa a ter noção dos preços de cada produto. E, assim, identifica facilmente quando algo está abusivo. Confesso que o jeito imponente – e muito educado - de minha avó não dá chance para ninguém dizer não. Ela sempre saía vitoriosa das negociações de couve ou biscoito de polvilho.
Por fim, preciso destacar uma questão que acaba sendo a soma de todo esse universo: causos! Feira é lugar de papear. É saber a origem dos produtos e, também, a história de vida de seu produtor. É cutucar a pessoa do lado para perguntar qual a receita dela para doce de banana, já que ela acabou de revelar que esse será seu preparo do dia. É encontrar uma prima de terceiro grau e matar a saudade entre a banca de repolho e milho verde. É ficar brava de ciúmes, mas achar lindo, sua avó sendo cortejada pelo vendedor de brevidade. 
Enfim, feira é vida em movimento, é tudo acontecendo ao mesmo tempo, é energia, pessoas falando alto e muito sorriso. É carregar sacolas lotadas de compras sem sentir o peso nos braços, mesmo se no final vovó ainda resolva comprar uma galinha viva. E o melhor, tudo isso às 6h da manhã, porque ela não gosta de ir à feira tarde. O dia está só começando. 

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